sexta-feira, 27 de junho de 2014

Artigo: Gerente de Quê?

Essa discussão não é de hoje. Aliás, é bem antiga. Mas ainda é contemporânea e pertinente na medida em que presenciamos diversas variações nos cargos e atribuições relacionados às lideranças da área de marketing. Para entender o porquê chegamos até este dilema, temos que recorrer às raízes da Administração de Empresas. No início, não havia o conceito de marcas e o seu imenso potencial de gerar valor a um produto. Camiseta branca é camiseta branca, mas se você deixar uma como está e noutra colocar o logotipo da Nike (e com ele, tudo o que ela representa), as coisas mudam, e muito. Pois é, isso era pouco percebido nos primórdios das organizações. A prioridade era obter capital (financeiro e humano), produzir e vender produtos. A partir deste conceito, as empresas foram se estruturando, nomeando e estabelecendo atribuições para as suas equipes internas. Surgiram assim – e só para ficar no nível gerencial – o Gerente Financeiro, o Gerente de RH, o Gerente de Produção, o Gerente de Vendas e...o Gerente de Produto.

A função do Gerente de Produto era basicamente a de coordenar todas as atividades relacionadas à materialização do projeto de produto, sejam elas as pesquisas exploratórias, a definição das especificidades técnicas, o planejamento de produção, o forecast de vendas, o cálculo do custo e a proposta de preço (para a margem desejada), os canais de vendas mais adequados, a campanha de lançamento, a estratégia de comunicação mais apropriada, e por aí vai. Um foco, portanto, carregado de operacionalidade, ações táticas e atribuições duvidosas. E restrito ao produto. O sucesso deste, ademais, determinava o sucesso do próprio executivo. Este modelo prevaleceu por muitas décadas (e ainda resiste bem, apesar de mais enfraquecido) por atender, justamente, às premissas iniciais daqueles primeiros heroicos administradores, e outras variáveis...

Porém, com o avanço de ciências como a própria administração, a pesquisa de mercado, a sociologia, a psicologia, a neurociência, o marketing e, mais recentemente, o branding, dentre outras, as empresas começaram a perceber que simplesmente fabricar e vender produtos – dando-se pouca ênfase aos elementos que constroem e diferenciam uma marca – era pouco. Principalmente em tempos de competição globalizada e crescente, maior poder nas mãos dos clientes e consumidores, revoluções na tecnologia da informação e o imperativo da era do conhecimento. O consumidor, em linhas gerais, tem pouco tempo e disposição para avaliar tecnicidades de produto e, por isso, agarra-se a filtros como tradição, credibilidade e reputação da marca para tomar as suas decisões. As empresas iniciaram então, neste contexto, um processo de questionamento do cargo e das atribuições do Gerente de Produto e, ao mesmo tempo, a cortina rica de possibilidades para o Gerenciamento de uma Marca se abriu.


E como, em última instância, o marketing é o relacionamento de uma marca com o mercado, o espectro alcançou questões como a inteligência de mercado, a essência de uma marca (missão, visão e valores), o posicionamento competitivo, o portfólio de produtos e serviços, a comunicação estratégica, a política de atendimento e relacionamento com clientes e consumidores, o pós-vendas, dentre outras. E nesta esteira, ganharam visibilidade o Gerente de Comunicação Estratégica – por dar a tão almejada personalidade à marca – e o Gerente de Marketing, pela amplitude inerente ao termo. Parecia assunto bem encaminhado quando o conceito de branding chegou e jogou luz ainda mais intensa na importância do gerenciamento a partir do conceito holístico da marca. 

Agora, além dos elementos tradicionais de diferenciação, é preciso levar em conta também o relacionamento com todos os stakeholders envolvidos, assim como temas delicados como credibilidade, reputação e gerenciamento de crises. Em suma, ser um verdadeiro “cão de guarda” ou um “guardião” dos interesses da marca. Em nome dela, não fazemos qualquer coisa e/ou a qualquer custo. Temos um nome a zelar e um papel importante na sociedade. Esse é o novo lema. Além disso, o produto – e percebam a evolução – não é mais o fim, é o meio. Surgiu, assim, o Gerente de Marca e, em algumas empresas de vanguarda, o Gerente de Branding.  

Não há como negar que o Gerente de Marca é a mais sofisticada das opções, considerando que o branding é mais um processo, uma cultura e um estado de espírito do que propriamente um cargo ou uma função. Na hipótese do termo “Marca”, vale lembrar que o campo do produto não se perde, mas as suas atribuições se reduzem e a sua importância é relativizada. Nem tampouco a comunicação é encostada, já que ela continua a ter um papel fundamental na transmissão da mensagem que queremos dar a partir da missão, visão e valores da marca. E a utilização da expressão “Marketing”, apesar de bastante aceitável, não é tão poderosa quanto a objetividade e a clareza que a palavra “Marca” proporciona. Em menor escala, encaixa-se melhor como um processo e cultura, assim como o branding.

O Gerente de Marca, então, tem (ou deveria ter) um painel na sua frente com as respostas para as seguintes perguntas: Afinal, o que essa marca veio fazer no mundo? Qual é o espaço que ela ocupa? Como ela se imagina daqui a 5, 10 anos? Do que ela não abre mão? Qual é a cara e o jeitão que a diferencia da concorrência? O tronco é este! Com essa visão, ele está em melhores condições de argumentar com mais propriedade o velho marketing mix (sim, os 4Ps de McCarthy) e, inclusive, questões como extensão de marca e inovação. Uma visão, portanto, do macro para o micro, o oposto dos nossos heroicos administradores do começo do século XX. Moral da história: zelar pela marca é muito mais importante do que zelar pelo produto. Este está se tornando cada vez mais uma commodity, enquanto a marca é a única possibilidade de garantir sustentabilidade saudável para uma organização no longo prazo.