Essa discussão não é de hoje.
Aliás, é bem antiga. Mas ainda é contemporânea e pertinente na medida em que
presenciamos diversas variações nos cargos e atribuições relacionados às
lideranças da área de marketing. Para entender o porquê chegamos até este
dilema, temos que recorrer às raízes da Administração de Empresas. No início,
não havia o conceito de marcas e o seu imenso potencial de gerar valor a um
produto. Camiseta branca é camiseta branca, mas se você deixar uma como está e
noutra colocar o logotipo da Nike (e com ele, tudo o que ela representa), as
coisas mudam, e muito. Pois é, isso era pouco percebido nos primórdios das
organizações. A prioridade era obter capital (financeiro e humano), produzir e
vender produtos. A partir deste conceito, as empresas foram se estruturando,
nomeando e estabelecendo atribuições para as suas equipes internas. Surgiram
assim – e só para ficar no nível gerencial – o Gerente Financeiro, o Gerente de
RH, o Gerente de Produção, o Gerente de Vendas e...o Gerente de Produto.
A função do Gerente de Produto era
basicamente a de coordenar todas as atividades relacionadas à materialização do
projeto de produto, sejam elas as pesquisas exploratórias, a definição das especificidades
técnicas, o planejamento de produção, o forecast
de vendas, o cálculo do custo e a proposta de preço (para a margem
desejada), os canais de vendas mais adequados, a campanha de lançamento, a
estratégia de comunicação mais apropriada, e por aí vai. Um foco, portanto, carregado
de operacionalidade, ações táticas e atribuições duvidosas. E restrito ao
produto. O sucesso deste, ademais, determinava o sucesso do próprio executivo.
Este modelo prevaleceu por muitas décadas (e ainda resiste bem, apesar de mais
enfraquecido) por atender, justamente, às premissas iniciais daqueles primeiros
heroicos administradores, e outras variáveis...
Porém, com o avanço de ciências
como a própria administração, a pesquisa de mercado, a sociologia, a
psicologia, a neurociência, o marketing e, mais recentemente, o branding, dentre
outras, as empresas começaram a perceber que simplesmente fabricar e vender
produtos – dando-se pouca ênfase aos elementos que constroem e diferenciam uma
marca – era pouco. Principalmente em tempos de competição globalizada e
crescente, maior poder nas mãos dos clientes e consumidores, revoluções na
tecnologia da informação e o imperativo da era do conhecimento. O consumidor,
em linhas gerais, tem pouco tempo e disposição para avaliar tecnicidades de
produto e, por isso, agarra-se a filtros como tradição, credibilidade e
reputação da marca para tomar as suas decisões. As empresas iniciaram então,
neste contexto, um processo de questionamento do cargo e das atribuições do Gerente
de Produto e, ao mesmo tempo, a cortina rica de possibilidades para o Gerenciamento de uma Marca se abriu.
E como, em última instância, o
marketing é o relacionamento de uma marca com o mercado, o espectro alcançou questões
como a inteligência de mercado, a essência de uma marca (missão, visão e
valores), o posicionamento competitivo, o portfólio de produtos e serviços, a comunicação
estratégica, a política de atendimento e relacionamento com clientes e
consumidores, o pós-vendas, dentre outras. E nesta esteira, ganharam visibilidade
o Gerente de Comunicação Estratégica – por dar a tão almejada personalidade à
marca – e o Gerente de Marketing, pela amplitude inerente ao termo. Parecia
assunto bem encaminhado quando o conceito de branding chegou e jogou luz ainda
mais intensa na importância do gerenciamento a partir do conceito holístico da
marca.
Agora, além dos elementos
tradicionais de diferenciação, é preciso levar em conta também o relacionamento
com todos os stakeholders envolvidos,
assim como temas delicados como credibilidade, reputação e gerenciamento de
crises. Em suma, ser um verdadeiro “cão de guarda” ou um “guardião” dos
interesses da marca. Em nome dela, não fazemos qualquer coisa e/ou a qualquer
custo. Temos um nome a zelar e um papel importante na sociedade. Esse é o novo
lema. Além disso, o produto – e percebam a evolução – não é mais o fim, é o
meio. Surgiu, assim, o Gerente de Marca e, em algumas empresas de vanguarda, o
Gerente de Branding.
Não há como negar que o Gerente
de Marca é a mais sofisticada das opções, considerando que o branding é mais um
processo, uma cultura e um estado de espírito do que propriamente um cargo ou
uma função. Na hipótese do termo “Marca”, vale lembrar que o campo do produto
não se perde, mas as suas atribuições se reduzem e a sua importância é
relativizada. Nem tampouco a comunicação é encostada, já que ela continua a ter
um papel fundamental na transmissão da mensagem que queremos dar a partir da missão,
visão e valores da marca. E a utilização da expressão “Marketing”, apesar de
bastante aceitável, não é tão poderosa quanto a objetividade e a clareza que a
palavra “Marca” proporciona. Em menor escala, encaixa-se melhor como um
processo e cultura, assim como o branding.
O Gerente de Marca, então, tem
(ou deveria ter) um painel na sua frente com as respostas para as seguintes
perguntas: Afinal, o que essa marca veio fazer no mundo? Qual é o espaço que ela
ocupa? Como ela se imagina daqui a 5, 10 anos? Do que ela não abre mão? Qual é a
cara e o jeitão que a diferencia da concorrência? O tronco é este! Com essa
visão, ele está em melhores condições de argumentar com mais propriedade o
velho marketing mix (sim, os 4Ps de McCarthy) e, inclusive, questões como
extensão de marca e inovação. Uma visão, portanto, do macro para o micro, o
oposto dos nossos heroicos administradores do começo do século XX. Moral da
história: zelar pela marca é muito mais importante do que zelar pelo produto.
Este está se tornando cada vez mais uma commodity,
enquanto a marca é a única possibilidade de garantir sustentabilidade saudável
para uma organização no longo prazo.