Minha filha saiu ontem do facebook. Ela tem 12 anos. Isso mesmo: encerrou a conta. Debandou-se. E por vontade própria. Foi um choque para mim. À princípio duvidei. Achei que fosse uma peça, brincadeira. Mas não. Era verdade. Fiquei alguns segundos tentando entender. Como assim? Ela era, certamente, da turma das mais fanáticas do "face". Trocava fotos do perfil com a mesma frequência com que se bebe água. Postava (sim, parece que isso já virou verbo, e faz tempo) frases, piadinhas e textinhos filosóficos baratinhos e manjados. Achava isso o máximo. Compartilhava muitas coisas sem entender direito o que eram. Postava fotos das férias, da escola, dela com as amigas (evitava, claro, pais, irmão mais velho e, principalmente, irmã mais nova) e usava com muita frequência o chat da rede (suspeito que chat não é o termo mais amigável dessa faixa etária). Enfim, o facebook era quase uma questão de sobrevivência para ela. Não entendia como eu sobrevivi aproximadamente 35 anos sem o tal "face". Tentei explicar que tudo era uma questão de adaptação. E o ser humano é bom nisso. Não sei se convenci. Pai e mãe ficavam no pé. As maiores preocupações eram a exposição das informações familiares, aceitar como "amigos" desconhecidos e o vício nesse troço. Enfim, aquelas coisas todas. Dizíamos: você precisa brincar, tomar sol, pular na piscina, andar de bicicleta, jogar volleyball, conversar mais face-to-face (que trocadilho infame) com as pessoas, e por aí vai. Era uma luta diária, mas estava indo sem maior gravidade.
Mas aí veio essa notícia estarrecedora: ela saiu do "face" por vontade própria. Não sei se essa decisão durará mais de 1 semana, mas suspeito que sim. E explicarei o porque. Caiu a ficha para mim algumas horas depois. Basicamente está se cumprindo 2 leis científicas: uma do marketing e outra da sociologia. A primeira eu surfo melhor. A segunda é puro palpite, mas agarrando-me no velho bom-senso. A lei do marketing a que me refiro vem do tiozão Al Ries, o renomado e jurássico consultor norte-americano. Em um dos seus livros antológicos - A Origem das Marcas - ele explica esse fenômeno. Com o tempo, a categoria-mãe se quebra em menores, mais especializadas, de nicho, e surgem novas marcas mais antenadas e mais eficientes para determinados segmentos de mercado (público-alvo). Assim, resumindo drasticamente, com boas sacadas estratégicas de posicionamento, muita divulgação e boa eficiência operacional, novas grandes marcas tendem a surgir a partir desse conceito. Só para ilustrar o raciocínio e ficar em poucos exemplos conhecidos, surgiram a Lady Foot Locker (rede varejista norte-americana de produtos esportivos só para mulheres), a ESPN (canal a cabo só de esportes), o Cirque du Soleil (uma simbiose única de circo, teatro e musical) e a Maria Brigadeiro, espécie de ateliê-gourmet pioneiro no famoso doce tipicamente brasileiro. As ditas categorias-mãe nestes casos seriam, respectivamente, varejo esportivo, canais de televisão, circo e docerias. Foram se quebrando e viraram essas marcas poderosas. Na verdade, não tem nada de novo nisso. Nas categorias mais maduras, já presenciamos esse fenômeno há muito tempo. Mas as redes sociais não são exatamente uma categoria, digamos, tão madura assim.
Se consideramos grosseiramente o facebook, depois de muito tentar entender a sua essência, um tipo de mural eletrônico (com as suas diversas funcionalidades) entre amigos e conhecidos, é compreensível digerirmos essa definição como sendo a categoria-mãe em questão e o facebook como sendo a marca que dominou esse território com mais firmeza e sabedoria. Com o tempo, porém, como já foi dito, a tendência é a diversificação em categorias menores e mais focadas. É o processo natural de evolução das marcas e a estratégia dos mais sábios, diria Ries. Assim, ganharam bons espaços os já bem assimilados youtube (videos), twitter (o que está "piando" na internet?) e linkedin (contatos profissionais). Mas as coisas continuaram evoluindo e surgiram marcas ainda mais especializadas como o foursquare (focada em localização), o flickr (compartilhamento de imagens), o badoo (com o propósito de obter novas amizades), o ning (compartilhamento de assuntos e interesses específicos), o whatsapp (mensagens instantâneas), entre outras. Minha filha explicou-me que saiu do facebook para focar no instagram, um site de compartilhamento de fotos pessoais e imagens, com possibilidade de comentários e conexão com outras redes sociais. Era desnecessária esse breve explicação já que é também bem conhecido e difundido no Brasil. Também continuaria com o whatsapp para mensagens instantâneas (ela não engolia muito bem a funcionalidade de mensagens instantâneas do FB e quase não sabe o que é e para o que serve o e-mail...). Ela simplesmente achou que o instagram e o whatsapp atenderiam melhor as suas necessidades e que não era mais necessário continuar com uma conta no "face". É a lei do Ries prevalecendo.
A outra lei científica é um terreno mais perigoso e desconhecido para mim. A sociologia. Mas vou arriscar alguns palpites. É notório que entre determinada faixa etária, os filhos preferem uma certa distância dos pais. Dão preferência à outras referências, como amigos, primos, professores e celebridades. Em outras palavras, não querem permanecer no mesmo ambiente social dos pais. E, como o conhecido "efeito manada", essa faixa etária, quando incomodada no limite, corre em bando para outros terrenos mais adequados às suas preferências, opiniões, personalidades e estilos de vida. Sentem-se, assim, mais livres e seguros entre iguais. O facebook, de certa forma, agrupou várias tribos em um só ambiente e, suspeito, começou a perturbar algumas delas, especialmente as mais jovens e alternativas. Portanto, essas movimentações, entendo eu, são naturais - e até esperadas - do ponto-de-vista social. Deste modo, é natural também essa perda repentina de usuários do FB, conforme outras alternativas foram surgindo. Só nos Estados Unidos, foram mais de 6 milhões em março de 2013 (4% do total). Na Inglaterra, 1,5 milhão ou menos 4.5%. Perdas também foram sentidas no Canadá, França e Japão. O tempo médio de navegação também vem caindo. Nos Estados Unidos, no mesmo período, a média diária caiu para 115 minutos (era de 121). No Brasil, ainda não se percebe sangria desatada nessas dimensões. Mas não será surpresa se caminhar rapidamente nesse sentido.
Outras possíveis razões de descontentamento entre os jovens do face estariam um crescente tom comercial da rede (excesso de anúncios e uso como plataforma de negócios para os usuários mais velhos) e um certo cansaço da dinâmica competitiva de "curtir" tudo o que rola na rede. À conferir. Estudos exploratórios e quantitativos mais profundos poderiam confirmar essas e outras hipóteses. Mas então o facebook corre o risco de ruir? Imagino que não. Penso que está acontecendo apenas uma acomodação das forças de mercado em uma categoria relativamente nova, as redes sociais. Em outras palavras, o bolo cresceu muito e agora a divisão está sendo feita de maneira mais cuidadosa e racional. Vou além: acho que o FB, em função do seu caráter mais genérico, continuará ainda por um bom tempo sendo a rede social dominante em termos de usuários, mesmo com uma quantidade menor deles. O Market Share é que cairá. Outro ponto importante é como as marcas irão navegar e interagir com essas movimentações sociais mais acentuadas dentro das redes sociais (atuais e futuras). Agora que elas estavam mais a vontade com as suas estratégias para o facebook, imagino que terão que acompanhar melhor essa segmentação nos outros sites sociais também. Sem, e é aí que reside o desafio, serem inoportunas. Todos nós estamos, literalmente, cansados de publicidades cansativas, repetitivas e que nos tratam como imbecis. As marcas precisam ser mais criativas e originais usando mais, por exemplo, ferramentas como storytelling, marketing de experiência e conteúdos/incentivos patrocinados. Mas as perspectivas são boas para as mais antenadas. O cenário tende a ficar mais claro nos próximos anos e boas oportunidades surgirão a partir disso.