segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Artigo: Reflexões sobre a Inteligência de Mercado

Há uma crescente (e saudável) discussão em torno do conceito e do papel da área de Inteligência de Mercado nas empresas. Até mesmo a nomenclatura parece não ser ainda a definitiva. É relativamente fácil encontrar derivações como Inteligência Competitiva, Inteligência Corporativa, Inteligência de Vendas, entre outras. Também há a parcela (bastante significativa por sinal) de empresas que sequer possuem o mínimo discernimento sobre o conceito e a consciência da sua importância. Obviamente, não surpreende que não invistam em um departamento estruturado para este fim. Além disso, há uma incerteza quase coletiva entre os limites da Inteligência de Mercado (seguiremos com esta nomenclatura no decorrer no artigo) e a da já consagrada, madura e disseminada Pesquisa de Mercado. Afinal, qual é o parentesco entre elas? Trata-se da mesma coisa?

É provável que muitos gestores e a linha de frente analítica e operacional das mais variadas esferas tenham dúvidas ou interpretações diferentes quando confrontados com essas questões. São pertinentes e não estão sozinhos. Até mesmo a academia e os especialistas práticos ainda não chegaram a um termo definitivo. Restam arestas. Crescentes esforços por meio da bibliografia e de escolas especializadas certamente estão contribuindo para o amadurecimento do tema. O horizonte é, logo, positivo. Prova disso é que a liquidez momentânea dessa discussão nos leva a uma corrente de pensamento bastante plausível e coerente, o que nos conforta – mesmo que não inteiramente – como profissionais de marketing. O norte está posto.

Em linhas gerais, Pesquisa de Mercado tem a missão de transformar dados em informações relevantes – e posteriormente em conhecimento – subsidiando decisões táticas e estratégicas dos esforços de marketing (basicamente os velhos 4Ps). Várias metodologias, possibilidades de periodicidades, meios de coletas de dados, origem das informações, entre outras variáveis, são exequíveis. Não entraremos nos detalhes. Mas isso, enfim, não é também Inteligência de Mercado? A resposta é sim. Mas devemos entender este sim como parte do processo de Inteligência de Mercado. Um meio para um bom gerenciamento de IM. Essa é a linha de raciocínio em voga e a mais aceita.

O desafio de Inteligência de Mercado, em última instância, é harmonizar e dosar adequadamente o conjunto de ferramentas tradicionais de Pesquisa de Mercado, encorpando-as com outras variantes como dados do CRM, fontes internas de informações, clipping de procedência jornalística, análises de viabilidade de projetos, monitoramento da concorrência, abordagens multidisciplinares, aspectos da legislação vigente, entre outras e, deste agrupamento, encaixar suavemente o portfolio mais apropriado para as principais necessidades das clássicas fases do planejamento estratégico de uma empresa. Em outras palavras – e de uma forma bem resumida – quais são os mecanismos de IM que podemos oferecer (incluindo Pesquisa de Mercado) para a correta compreensão do cenário competitivo, para a melhor definição do composto do marketing mix (maior retorno com o menor risco) e para o monitoramento das estratégias definidas (metodologias de acompanhamento dos esforços)?

As opções são muitas. Relatórios de tendências, perfis da concorrência, testes de conceito e de posicionamento, estudos de elasticidade de preço, percepção da imagem da marca (checagem do branding), avaliação das estratégias de comunicação, pesquisa de satisfação e lealdade dos clientes/consumidores, quadrantes de valor dos clientes/consumidores alicerçados no CRM, insigths gerados por meio de workshops criativos (ou de inovação), entre outras. O cuidado, reforçando, deve ser sempre cobrir os grandes pilares de mercado, concorrência e clientes – dentro dos limites de custos e prazos da companhia – e sem perder de vista as principais preocupações presentes no planejamento estratégico a serem esclarecidas.

Cases clássicos como a primeira entrada atabalhoada do Walmart no Brasil (estavam tentando vender até tacos de golfe para os brasileiros), a falta de percepção (ou a consciência tardia) da então líder absoluta Nokia no que se referia às reais - e muitas vezes implícitas - necessidades dos consumidores de smartphones, a substituição desastrada da Coca-Cola clássica pela chamada New Coke em meados dos anos 1980 - ignorando completamente os aspectos emocionais, associativos e culturais dos consumidores - mostram a importância concreta da decisão e do decorrente zelo com a qualidade dos relatórios e das conclusões/recomendações que o correto manejamento das técnicas de Inteligência de Mercado pode proporcionar às empresas/marcas. Cabe alertar, em tempo, que IM ou Pesquisa de Mercado previne, orienta e aponta, mas não decide. Alta cúpula e gestores estratégicos devem assumir essa responsabilidade.

Percebe-se, finalmente, a Inteligência de Mercado como uma aliada mais holística do que a Pesquisa de Mercado, apesar do grau de parentesco entre elas ser muito próximo. Enfim, uma função de entrelaçar diferentes técnicas, sendo a maior parte delas no âmbito da Pesquisa de Mercado. Seja qualquer a definição do batismo (naming), o conceito é válido, a necessidade é urgente, a percepção da compreensão e da importância ainda é baixa e o potencial de impacto é enorme. Somente políticas mais consistentes e duradouras de diferenciação por meio da inovação e decisões mais fundamentadas na racionalidade são o que garantirão ventos mais favoráveis para as empresas em um futuro não muito distante. Não tenho dúvidas de que a missão a que se propõe o espectro da Inteligência de Mercado é nobre o suficiente para contribuir de forma relevante neste jogo estratégico sem prazo para terminar.